WASHINGTON, EUA – Os Estados Unidos devem suspender parcerias e não fornecer qualquer ajuda financeira ou militar ao Brasil caso haja uma ruptura democrática após a eleição de outubro. É o que defende o senador Bernie Sanders, que apresentará um projeto ao Congresso americano para garantir que Washington reconheça imediatamente o vencedor do pleito no Brasil.
Uma das estrelas da esquerda americana, Bernie, 80, diz em entrevista à Folha de S.Paulo que sua ideia não é interferir no processo eleitoral, mas garantir que os EUA “façam o que for possível” para que o Brasil não encontre apoio no cenário de um golpe.
“O povo do Brasil é que vai ter que decidir quem será o próximo presidente. É decisão do povo brasileiro, não dos EUA nem de mais ninguém”, afirma. “Mas se o resultado se desdobrar em algo ilegal, se houver um golpe militar que coloque no lugar um governo ilegal, os EUA têm que deixar isso muito claro: o Brasil não terá apoio, financeiro ou de qualquer outro modo.”
Bernie passou a dedicar mais atenção ao pleito de outubro depois de receber, em julho, uma comitiva de entidades da sociedade civil brasileira, liderada pelo grupo Washington Brazil Office, que viajou à capital para alertar líderes americanos sobre manifestações golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O mandatário tem colocado como condição para aceitar uma eventual derrota a garantia de as eleições serem transparentes -o que o Tribunal Superior Eleitoral e órgãos observadores afirmam que já ocorre. Quando se reuniu com Joe Biden na Cúpula das Américas, por exemplo, Bolsonaro repetiu que queria “eleições limpas, confiáveis e auditáveis”. Na ocasião, o americano respondeu, segundo o Departamento de Estado, que “os EUA não toleram e não aceitam intervenção no sistema eleitoral em nenhum lugar”.
Em mais de uma ocasião antes da campanha atual, Bernie criticou Bolsonaro e elogiou o ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas para o pleito. Agora, em uma tentativa de se blindar, ele faz questão de dizer que sua defesa da democracia brasileira no Congresso americano não é partidária.
“Eu não quero me envolver”, diz, repetindo que os eleitores brasileiros é que têm que decidir. “O que estou fazendo não é contra ou a favor de Lula, contra ou a favor de Bolsonaro. Só quero garantir que os EUA jamais apoiem um governo ilegal.”
O parlamentar quer colocar na pauta do Senado uma resolução em defesa da democracia brasileira assim que o Congresso voltar do recesso de verão, no começo de setembro. “O Brasil é a quarta maior democracia do mundo e o maior país da América Latina, é essencial que a democracia continue a existir.”
O receio nos corredores de alas à esquerda no Parlamento e em setores ligados à diplomacia em Washington é que Brasília registre cenas similares às da capital americana em 6 de janeiro de 2021, quando uma multidão de apoiadores do então presidente Donald Trump, insuflada pelo mandatário, invadiu o Capitólio para tentar barrar a certificação da vitória de Biden.
Bolsonaro tem seguido o roteiro de Trump de desacreditar o sistema eleitoral, e é isso o que acende o alerta nos EUA. Isso porque, mesmo que seja derrotado em outubro, o presidente deve continuar relevante no xadrez político -assim como o aliado americano, que ainda tem forte influência sobre o Partido Republicano e almeja voltar a ser candidato em 2024.
O ex-presidente é acusado de ajudar na radicalização de parte de seus apoiadores, e episódios de ataques com motivação política têm aumentado nos EUA -mais ainda depois de o cerco da Justiça em torno do republicano crescer, em duas frentes de investigações.
Segundo Bernie, para evitar que o Brasil siga o mesmo caminho, “é importante que os líderes políticos, de todos os lados, deixem claro que não vão tolerar violência”. O país já registrou episódios de violência política no processo eleitoral.
Independente e identificado com a ala mais à esquerda da base de Biden, o senador afirma ser compreensível que uma parcela da população desacredite na importância da democracia na medida em que governos deixaram de responder às suas necessidades.
“A classe trabalhadora tem visto um declínio significativo no padrão de vida. Não pode mais bancar moradia, educação para os filhos, plano de saúde. E, enquanto passa por dificuldades, vê bilionários ficando cada vez mais ricos e se pergunta: ‘Eu preciso de um governo? Preciso de democracia se continuo a enfrentar dificuldades enquanto eles ficam mais e mais ricos?’”, diz. “É preciso que o governo responda aos anseios da população de baixa renda, não só aos interesses dos bilionários.”
Caso eleito, Lula fará parte de uma nova onda de líderes de esquerda na América Latina, com Gustavo Petro, na Colômbia, e Gabriel Boric, no Chile, como expoentes mais recentes.
Questionado sobre as chances de essa maré chegar a Washington, Bernie -que já tentou concorrer duas vezes à Presidência pelo Partido Democrata, sem sucesso- diz que vitórias eleitorais são resultado “da boa política e das boas políticas públicas”, num jogo com as palavras em inglês “politics” e “policy”.
“O candidato que defender a classe trabalhadora, o acesso à saúde, a redução das desigualdades, a criação de empregos com salários dignos, a construção de moradias, o acesso à educação e souber resistir aos poderosos interesses de grandes corporações, não só está fazendo a coisa certa, como está fazendo boa política e vencerá”, diz. “É esse o candidato que será eleito.”