RANIER BRAGON E DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF – O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deve disputar a sua segunda eleição amparado em uma decisão provisória que obteve em 2018 e que está de pé há mais de quatro anos sem que a Justiça se posicione sobre a questão.
A Lei de Inelegibilidades estabelece que o julgamento desse tipo de caso deve ser prioritário, mas, desde o final de 2020, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) analisa, sem conclusão, um recurso especial apresentado pelo deputado.
Lira e outros parlamentares foram condenados pela Justiça de Alagoas em decorrência da Operação Taturana, da Polícia Federal, que investigou suposto esquema de desvio de recursos da Assembleia Legislativa. O hoje presidente da Câmara foi deputado estadual de 1999 a 2010.
Nessa ação, Lira foi condenado por pagar empréstimos pessoais com recursos de verba de gabinete e utilizar cheques emitidos da conta da Assembleia para garantir financiamentos também pessoais.
A acusação apresentada pelo Ministério Público trazia ainda outras suspeitas, como movimentação financeira atípica de R$ 9,5 milhões (em valores não corrigidos) e desconto na boca do caixa de cheques emitidos pela Assembleia em favor de servidores fantasmas e laranjas.
A sentença condenatória afirma que Lira e os demais parlamentares tiveram “uma ânsia incontrolável por dilapidar o patrimônio público, corroeram as entranhas do Poder Legislativo Estadual, disseminando e institucionalizando a prática degenerada de corrupção, proselitismo e clientelismo”.
Em 2016, o Tribunal de Justiça de Alagoas confirmou a condenação do então já deputado federal por improbidade administrativa, o que incluía determinação de ressarcimento de R$ 183 mil aos cofres públicos (em valores da época) e a suspensão dos direitos políticos por dez anos.
Dois anos depois, porém, o desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas Celyrio Adamastor Tenório Accioly liberou a candidatura de Lira à reeleição ao conceder efeito suspensivo a um recurso especial apresentado pelo deputado.
O argumento do magistrado foi o de que o parlamentar poderia sofrer “danos irreparáveis” caso fosse impedido de participar das eleições antes do julgamento final de seus recursos.
O Ministério Público recorreu, mas o STJ à época rejeitou rever a medida do desembargador. Lira foi reeleito e, em 2020, coordenou o apoio do centrão a Jair Bolsonaro (PL) no Congresso, conseguindo se eleger presidente da Câmara em fevereiro de 2021.
Apesar de o efeito suspensivo ter sido concedido pelo desembargador do TJ-AL em abril de 2018, o recurso especial só chegou ao STJ, em Brasília, dois anos e meio depois, em dezembro de 2020.
Passado um ano e oito meses, ainda não houve decisão do STJ.
A reportagem enviou perguntas ao ministro Og Fernandes, relator do recurso, mas a assessoria do tribunal disse que o caso tramita em segredo de Justiça.
Procurado, o presidente da Câmara não se manifestou.
A pedido do próprio Lira, o STJ emitiu um certificado sobre a tramitação do recurso, que foi anexado no pedido de registro de sua candidatura neste ano.
O ofício relata que, em novembro do ano passado, Og Fernandes deu prazo de 15 dias para Lira e outras partes se manifestarem sobre o impacto em seus casos das mudanças da Lei de Improbidade.
A decisão decorreu de aprovação pelo Congresso de projeto que abrandou a lei, encurtando prazos prescricionais e exigindo, para condenação, a comprovação de dolo, ou seja, da intenção de lesão à administração pública.
A mudança na Lei de Improbidade contou com a participação decisiva do próprio Lira, na cadeira da presidência da Câmara. Dois meses depois da sanção do projeto por Bolsonaro, o parlamentar se manifestou ao STJ pedindo a anulação de sua condenação com base na nova lei.
Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu aplicar a nova lei a casos que ainda não tiveram a tramitação encerrada na Justiça, mas sem retroagir a vigência dos prazos mais curtos de prescrição.
Com isso, Lira pode se beneficiar da nova lei somente se o STJ entender que na condenação pela Justiça de Alagoas não ficou provado que ele agiu com dolo, ou seja, que teve intenção ou assumiu o risco de cometer o ilícito.
Em seu atual pedido de registro de candidatura na Justiça Eleitoral, Lira sofreu uma impugnação por parte de sua ex-mulher, Jullyene Lins (MDB), também candidata a deputada federal.
Ela alega que o ex-marido pode estar inelegível em razão da condenação decorrente da Operação Taturana. A defesa do presidente da Câmara contestou a impugnação dizendo que Lins patrocina litigância de má-fé. Ainda não há decisão da Justiça Eleitoral.
O advogado Volgane Carvalho, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), diz avaliar que a situação de Lira entra na esfera de prazo impróprio.
“Parece que é uma determinação impositiva [na lei], mas, na verdade, é uma recomendação. Como se o tribunal devesse acolher a ideia de que os processos são prioritários. Nunca vai ser assim”, disse.
Ele atribui também parte da lentidão à falta de pessoal no tribunal. “O STJ está numa redução de quadros. Então, no conjunto da obra, você consegue ter um cenário não ideal em que o julgamento se alonga por mais tempo.”
Luiz Fernando Casagrande Pereira, sócio-fundador do escritório Vernalha Pereira, vai na mesma linha e destaca que os tribunais brasileiros são “abarrotados de processos”. “Então têm muitos e muitos prioritários. Na vida real, quando tudo é prioridade, nada é prioridade, e eles não dão conta de julgar esses recursos.”
Pereira lembra ainda uma alteração que o Congresso fez em 2019 em uma lei em vigor e que facilitou a vida de políticos com problemas na justiça. Antes, se a liminar obtida por Lira fosse julgada e derrubada após o registro, poderia ser invocada a inelegibilidade do presidente da Câmara.
“Se o candidato fizer o pedido de registro com liminar, não importa que a liminar caia depois. Isso significa dizer que se hoje o STJ julgar e mantiver a condenação de Lira, isso não impacta mais no registro da candidatura dele para a eleição de 2022.”ENTENDA O CASO2016Arthur Lira e outros réus são condenados pelo Tribunal de Justiça de Alagoas por atos de improbidade administrativa, tendo os direitos políticos suspensos por 10 anos.A condenação decorreu da Operação Taturana. Os desembargadores confirmaram sentença da primeira instância que condenou Lira, então deputado estadual, e outros parlamentares pela quitação de empréstimos pessoais com dinheiro público da Assembleia Legislativa.2018O desembargador do TJ-AL Celyrio Adamastor Tenório Accioly assina individualmente um despacho suspendendo os efeitos da condenação e liberando a candidatura de Lira a deputado federal.2020Recurso especial de Lira contra a decisão do TJ-AL chega ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, em dezembro. Caso fica sob a relatoria do ministro Og Fernandes.De acordo com a Lei de Inelegibilidades (64/90), o julgamento desse tipo recurso tem prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e habeas corpus. Apesar disso, passado um ano e oito meses, ainda não houve decisão.2021Lira é eleito presidente da Câmara dos Deputados.O presidente da Câmara pede em dezembro ao STJ a anulação da condenação, por prescrição, com base na nova Lei de Improbidade. As alterações nessa lei foram aprovadas pelo Congresso e tiveram em Lira um de seus principais articuladores.2022Em agosto O STF decide aplicar a nova lei, mais benéfica, a casos que ainda não tiveram a tramitação encerrada na Justiça. Os novos prazos de prescrição, porém, não retroagem.Com isso, Lira pode se beneficiar somente se o STJ entender que na condenação pela Justiça de Alagoas não ficou provado que ele agiu com dolo, ou seja, que teve intenção ou assumiu o risco de cometer o ilícito.