Segundo órgão ministerial, quesito genérico de clemência não é carta branca para absolvições dissociadas das evidências dos autos
Arte: Secom/MPF
O Ministério Público Federal (STF) apresentou agravo regimental junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a revisão de decisão da Corte, que proveu recurso e restabeleceu a absolvição de réu acusado de tentativa de feminicídio contra a esposa. No entendimento do STF, o veredito do Tribunal do Júri é soberano, não sendo cabível recurso de apelação. Contudo, o subprocurador-geral da República Juliano Baiocchi afirma que o quesito genérico de clemência, garantido ao Tribunal do Júri, não é carta branca para absolvições contrárias às provas apresentadas nos autos.
Ao julgar o caso, os jurados precisaram votar seguindo os quesitos determinados pelo art. 483 do Código de Processo Penal (CPP). O primeiro é se houve a materialidade do crime, para o qual a maioria respondeu que sim, tendo como base os boletins médicos da vítima e os laudos periciais de balística. No quesito autoria, a maior parte entendeu que o acusado foi o autor dos disparos e que os tiros não foram acidentais. Contudo, ao serem questionados se absolviam o acusado, a maioria dos jurados respondeu que sim. E, com isso, o réu foi absolvido do crime de tentativa de feminicídio.
Por entender que a sentença era contrária às provas do processo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) proveu a apelação do Ministério Público e anulou a absolvição, determinando a realização de novo julgamento. A defesa do réu interpôs habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, ao ter o pedido negado, apresentou recurso ao STF, que o acolheu, por entender que a absolvição pelo quesito genérico não pode ser revista em Tribunal de Apelação. Para a Corte Suprema, mesmo que todas as provas dos autos indiquem ser o acusado responsável pelo crime, “em causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, e ainda que a defesa não sustente em plenário nenhuma causa de absolvição, a decisão dos jurados pela absolvição deve ser respeitada e não pode ser considerada manifestamente contrária à prova dos autos, visto que tal decisão pode se basear ou não nas provas existentes no processo. Se não fosse desse modo, o quesito não seria obrigatório e poderia ser facultado o questionamento quando a defesa não pleiteasse a absolvição do réu em debates orais”.
Juliano Baiocchi pontua que está para ser julgado pelo Plenário do STF o Tema 1.087 de repercussão geral, cuja tese estabelece que viola a soberania dos veredictos a realização de novo júri, determinado por Tribunal de 2º grau em julgamento de recurso contra absolvição por quesito genérico, diante de suposta contrariedade às provas dos autos. Porém, ele entende que até a fixação da tese não há como ser ilegal a compreensão das instâncias originais sobre a questão. “Nesse contexto, não se pode considerar que haja entendimento dominante do STF quanto à questão, sobretudo, em sentido favorável à defesa”, afirmou.
De acordo com o subprocurador-geral da República, o quesito genérico de absolvição, incluído pela Lei 11.689/2008 ao art. 483 do CPP, foi criado com o intuito de simplificar a votação, evitando que os jurados tenham que lidar com conceitos técnicos. Porém, Baiocchi ressalta que o artifício não é carta branca para absolvições dissociadas das provas dos autos. Ele explica que, para que os jurados respondam a favor da absolvição pelo quesito genérico de clemência, é preciso que a decisão tenha ligação com a argumentação desenvolvida pela defesa no Plenário, que deve contar com base de provas, sob pena da absolvição ser anulada. “Se o veredicto do Júri é soberano, o deve ser conforme a dialética e com base nas provas em cada caso concreto, sob pena de que à família e aos amigos da vítima e a esta, caso sobrevivente, reste a sensação de impunidade”, afirma.
O representante do MPF destaca que, mesmo que a defesa tenha alegado tiro acidental, a tese não foi acolhida pelos jurados. Logo, o subprocurador-geral da República afirma que a absolvição do réu, ainda que pelo quesito absolutório genérico, mostra-se contraditória diante de tudo que foi provado nos autos. Com a realização de novo julgamento na origem, cabe à defesa “alegar e demonstrar o que de direito for quanto a teses exculpantes e de clemência”, defende. Por fim, Juliano Baiocchi pede que a decisão do STF seja revista, com juízo de retratação pelo relator. Também requer prioridade ao presente agravo regimental para que novo júri seja formado na origem.