Por que as eleições na Nigéria são consideradas ‘extremamente delicadas’ para UE e África?


Existem alguns fatores geopolíticos que forçaram o mundo a olhar com mais atenção para o que está ocorrendo nas eleições nigerianas, mas três deles são fundamentais: a crise energética europeia, o crescimento de grupos extremistas islâmicos em países vizinhos e as incertezas que pairam sobre o resultado do pleito.
Para o podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, as jornalistas Melina Saad e Thaiana de Oliveira conversaram com Orlando Muhongo, licenciado em relações internacionais pela Universidade Privada de Angola (Upra), e Eduardo Ernesto Filippi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para entender o contexto nigeriano e por que essa eleição se tornou tão importante.
O fato, dizem eles, é que desde que a Europa decidiu cortar sua demanda por gás russo, os possíveis substitutos, como é o caso da Nigéria, o maior fornecedor de gás da África, passaram a ser observados de perto. Se quiser insistir em sua retórica russofóbica, a União Europeia (UE) precisará de um aliado em Abuja.
Vista aérea da planta de GNL da Nigéria em Bonny Island (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 23.07.2022

Além disso, como ocorreu em outros países africanos, organizações extremistas, como o notório Boko Haram (grupo terrorista proibido na Rússia e em vários outros países), ameaçam jogar o país africano em uma crise de segurança.
A experiência europeia em tentar derrotar o terrorismo no Sahel, sobretudo em Mali, Burkina Faso e Chade, revelou que os desafios nesse sentido são muito mais difíceis do que parecem.

A eleição presidencial na Nigéria

Para vencer a eleição presidencial na Nigéria, é preciso obter 25% dos votos válidos e terminar à frente em dois terços dos 36 estados do país e na capital, Abuja. O partido governista detém 22 dos estados, o que ajuda a dimensionar sua força.
Ao contrário do que ocorre em outros países, quando despontam os favoritos com suas promessas de campanha, ainda não é possível prever o vencedor deste pleito e qual será a política externa nigeriana, principalmente tendo em vista os desafios geopolíticos fermentados em um mundo que ficou mais tenso.
Na base aérea de Niamey, no Níger, soldados franceses carregam um drone modelo Reaper com mísseis, em 17 de dezembro de 2019 - Sputnik Brasil, 1920, 02.02.2023

Para Orlando Muhongo, existe uma forte apreensão internacional porque são 18 candidatos concorrendo, e embora apenas três deles tenham chances de vencer o pleito, houve uma ruptura do “acordo de cavalheiros” feita pelo partido governista, que lançou uma chapa presidencial com dois muçulmanos.

“Nesse arranjo de cavalheiros, feito nas primárias, os partidos se comprometem a lançar candidatos, presidente e vice, que representem as diferentes etnias que existem no país”, apresentando nomes ligados às principais religiões e grupos étnicos nacionais, disse ele.

Entretanto o partido governista, o All Progressives Congress (APC), do ex-senador Bola Tinubu, decidiu romper essa tendência, abrindo espaço para o crescimento do candidato mais jovem, o único candidato cristão, Peter Obi, do Labour Party (LP), considerado a terceira força.
Vista aérea do cais de contêineres do porto de Zhoushan, na cidade de Ningbo, província de Zhejiang, leste da China, em 12 de julho de 2017 - Sputnik Brasil, 1920, 06.11.2022

A oposição, por sua vez, encabeçada por Atiku Abubakar, do Peoples Democratic Party (PDP), busca figurar no meio-termo entre os dois partidos, ao apresentar um vice cristão e manter a tradição das eleições nigerianas de eleger um muçulmano.
Segundo Orlando Muhongo, “todos os grupos envolvidos nessas eleições acreditam que é possível vencer, por isso são eleições extremamente delicadas”. Em um país cuja democracia ainda é recente e em que “apenas 13% dos eleitores consideram as eleições confiáveis“, qualquer problema na contagem pode catalisar sentimentos de fúria e insubordinação social.

“Existe muito ceticismo quanto às eleições”, disse ele, acrescentando que os índices de abstenção, que podem chegar a 60%, mostram um cenário pouco previsível.

Terrorismo, gás e pobreza: o que está em jogo na Nigéria?

Apesar dos temores de que o resultado do pleito pode ser adiado ou terminar em um cataclismo social, o professor Eduardo Ernesto Filippi entende que as eleições ocorrerão sem transtornos, pois existem problemas no país que unem as agendas de todos os candidatos.
© Sputnik / Aleksei VitvitskyPresidente nigeriano, Muhammadu Buhari discursa durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2018 (COP24), em Katowice, na Polônia, em 3 de dezembro de 2018

Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari discursa durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2018 (COP24), em Katowice, na Polônia, em 3 de dezembro de 2018 - Sputnik Brasil, 1920, 24.02.2023

Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari discursa durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2018 (COP24), em Katowice, na Polônia, em 3 de dezembro de 2018
Em sua avaliação sobre o cenário político do país, Eduardo Ernesto Filippi explicou que Abuja “tem desafios econômicos, como a inflação, estimada em 19%; a desaceleração do PIB, que cairá em 2023 para 2,7% (ante 3% em 2022); e o fato de cerca de 33% da população estar desempregada”.
Orlando Muhongo ainda enfatizou que “se a maior economia do continente africano passar por uma crise, qualquer instabilidade afetará os demais países”. Segundo ele, a Nigéria é hoje um dos países mais importantes geopoliticamente, “porque figura como uma possível substituta para o gás e o petróleo de Moscou na Europa“.
Em julho de 2022, o vice-diretor-geral do Departamento de Energia da Comissão Europeia, Matthew Baldwin, confirmou que a UE estava buscando suprimentos adicionais de gás no país africano.
Equipes resgatam moradores que ficaram isolados com as enchentes que afetam a Nigéria. Kogi, 6 de outubro de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 09.10.2022

Ele recebeu garantias de que Abuja estava melhorando a segurança no delta do rio Níger e planejava reabrir o gasoduto Trans-Niger, o que renderia mais exportações de gás para a Europa.
A UE importa 14% de seus suprimentos totais de gás natural liquefeito (GNL) da Nigéria. Em 2021, Abuja exportou 23 bilhões de metros cúbicos de gás para a UE, embora o número esteja diminuindo ao longo dos anos. Em 2018, o bloco comprou 36 bilhões de metros cúbicos de GNL do país africano.
Além disso, explicou Muhongo, a Nigéria é um dos bastiões da segurança regional, tendo desempenhado um papel importante no combate aos insurgentes islâmicos do Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) e do Boko Haram, que assombram países da África e do Oriente Médio.
Apesar dos esforços das autoridades para deter a ação dos extremistas, a violência no país segue fazendo muitas vítimas, sendo a Nigéria o país que mais mata cristãos no mundo, por exemplo.
No último ano, segundo a ONG Portas Abertas, houve mais de 4 mil casos violentos, como ataques a bomba e a tiros, que deixaram quase 11,4 mil mortos no país.
Foto ilustrativa de uma ambulância acompanhada de carros, na Nigéria (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 05.06.2022

Fonte: sputniknewsbrasil

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