MARCELO LIMA LORETO
RIO DE JANEIRO, RJ – Pesquisa conduzida na Austrália, no Reino Unido e na Suíça indicou que, em ratos, a ingestão de alimentos ricos em fibras fortalece a pele e reduz sintomas e gravidade de doenças alérgicas como a dermatite atópica, que afeta cerca de 20% das crianças no mundo. A próxima etapa serão os estudos clínicos em humanos.
Os experimentos mostraram que, após ingestão, as fibras são fermentadas no intestino por bactérias que produzem o butirato, um tipo de gordura capaz de fortalecer a camada externa da pele, impedindo a desidratação e a penetração de causadores de alergia, como ácaros e micróbios.
Isso porque a substância acelera o metabolismo dos queratinócitos, células responsáveis por gerar proteínas e gorduras necessárias para manter a pele saudável.
A dermatite atópica, doença inflamatória crônica incurável, é caracterizada por ressecamento e feridas na pele, que afetam muito a qualidade de vida dos pacientes.
O tratamento envolve cremes hidratantes e pomadas com corticoides. A imunoterapia tem sido testada para combater a condição.
À reportagem, um dos principais autores da pesquisa, Ben Marsland, da Universidade Monash, em Melbourne (Austrália), diz que “há grande potencial na aplicação dessa substância [butirato] na pele, com efeitos diretos no local onde o tratamento é necessário”. “É uma substância segura, que pode ser testada em ensaios clínicos muito rapidamente”, afirma.
O estudo também teve a participação de cientistas do Hospital Universitário de Lausanne (Suíça) e da Universidade de Manchester (Reino Unido). Os resultados foram publicados na revista Mucosal Immunology no início de junho.
Os pesquisadores alimentaram grupos de camundongos com dieta rica em fibras e outros com dieta pobre em fibras. Os ratos tinham uma inflamação cutânea na região das costas semelhante à dermatite atópica, induzida por substâncias químicas.
Além disso, administraram, por via oral, butirato associado a uma substância radioativa que permitiu rastrear o trajeto e o tempo que a substância percorre no corpo, sendo detectada na pele dos ratos 45 minutos após a ingestão.
Os ratos alimentados com dieta rica em fibras e os que receberam butirato tiveram redução de danos na área inflamada, em comparação com os animais que ingeriram dieta pobre em fibras.
O resultado final foi a diminuição dos sintomas inflamatórios e aumento na capacidade da pele de reter água.
Verificou-se também, nos animais tratados com butirato, redução da espessura da pele e menor presença de células do sistema imunológico na região lesionada.
Outra diferença observada foi a diminuição da coceira na área inflamada, principal sintoma da dermatite atópica.
Descobriu-se que o butirato reduz a produção de anfiregulina, substância que causa a brotação de nervos na pele afetada, levando a uma coceira intensa.
Para Jorge Kalil Filho, professor imunologia e alergia da Faculdade de Medicina da USP, o experimento mostrou, de maneira precisa, em nível molecular, o caminho que um nutriente percorre e sua função direta na pele.
Marsland, da Universidade Monash, ressalta que, embora as pessoas já comprem suplementos de butirato, “não sabemos a quantidade e frequência de uso para se obter benefícios à saúde”. “Maior quantidade de butirato não é necessariamente melhor.”
Suplementos de butirato e outras substâncias produzidas por bactérias já são comercializados –os chamados pós-bióticos, que têm se mostrado promissores em estudos para combater uma série de doenças.
Ainda não se conhecem, no entanto, seus mecanismos exatos e a eficácia em algumas situações.
Os pós-bióticos diferem dos probióticos, que contêm micro-organismos vivos e estão presentes em alimentos como iogurte, kefir e kombucha.
Já os prebióticos servem de comida para esses micro-organismos benéficos e são encontrados na banana, no alho e em cereais integrais.
Ainda segundo os autores da pesquisa, as doenças alérgicas têm aumentado nas últimas décadas, afetando quase um terço da população mundial.
As causas são mudanças ambientais e comportamentais associadas a uma dieta desequilibrada e pobre em fibras.
Essas alergias podem progredir para diferentes condições ao longo da vida.
A dermatite atópica na infância, por exemplo, pode evoluir para rinite alérgica e asma nos adultos. Trata-se da chamada “marcha atópica”, que atinge aproximadamente 30% dos portadores da doença.
Pesquisas como a de Marsland, que investigam o papel dos micro-organismos do intestino humano –o microbioma–, estão em ascensão na área biomédica em todo o mundo, incluindo o Brasil.
Elas têm mostrado que a alteração desse ambiente no corpo está relacionada a doenças neurológicas e psiquiátricas (como autismo, esquizofrenia, depressão, Parkinson e Alzheimer), intestinais, degenerativas e autoimunes.
“A microbiota intestinal exerce papel de um órgão extra no corpo, tamanha sua importância para nossa saúde”, afirma Ricardo Barbuti, médico gastroenterologista do Hospital das Clínicas da USP que pesquisa a influência do microbioma em doenças gastrointestinais.
De acordo com o professor Jorge Kalil Filho, da USP, no entanto, a aplicação dos resultados não se consolidou entre os médicos.
“Não acredito que no cotidiano médico já se prescrevam mudanças na alimentação para quem tem depressão, por exemplo. Os tratamentos ainda estão centrados em medicamentos e terapia.”