Augusto Aras destaca relevância do tema e defende que análise constitucional da matéria pelo STF ocorra após correção dos vícios na ação
Foto: Leobark/Secom/MPF
Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério Público Federal (MPF) aponta falhas técnicas em ação ajuizada por entidades da área de saúde que questiona a constitucionalidade de atos e omissões do poder público que restringem o direito ao aborto em casos de estupro. Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, apesar da relevância social do tema, o pedido feito na ação é excessivamente genérico e não indica atos específicos que poderiam contrariar princípios constitucionais. Por esses motivos, demandaria produção de provas e amplo diálogo com os órgãos públicos envolvidos, o que inviabiliza a concessão de liminar ou análise da matéria pela Suprema Corte, neste momento.
A manifestação foi na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 989/DF, apresentada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e pela Associação da Rede Unida. Na ADPF, as entidades pedem a concessão de liminar para impedir que órgãos públicos restrinjam a realização de aborto nos casos previstos nas leis brasileiras, com base em qualquer critério de idade gestacional ou norma administrativa com parâmetros não previstos na legislação. A ação questiona, ainda, nota técnica do Ministério da Saúde que fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para a realização do procedimento. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade de qualquer ação ou omissão do Estado que implique em barreiras para o aborto legal.
Na avaliação do PGR, a ação envolve questão constitucional relevante, que demanda atenção especial do Judiciário. “Tem-se, no ponto, discussão da máxima relevância social, envolvendo, de um lado, a proteção e o direito de meninas e mulheres vítimas de violência sexual e, de outro, o feto como sujeito de direitos. Entram no debate, aqui, os direitos à vida, à saúde e à dignidade humana, entrelaçando-se questões dos campos jurídico e médico”, afirma. No entanto, segundo Aras, o pedido é “excessivamente genérico”, pois questiona de forma ampla ação e omissão do Estado, sem pontuar ato específico. Eventual decisão do STF sobre o tema, de acordo com o procurador-geral, demandaria a coleta de provas, medida incompatível com a via da ADPF, e a abertura de diálogo com os agentes e órgãos públicos da área de saúde, providência que não se coaduna com o exame superficial (perfunctória) das medidas cautelares.
“Não há indicação de ato específico do poder público alegadamente lesivo a preceitos fundamentais, o que inviabiliza ou, ao menos, dificulta o exame de validade constitucional pretendido, muito especialmente em sede de medida cautelar”, sustenta o parecer. Embora legítima a intenção de facilitar o exercício do direito de meninas e mulheres vítimas de violência sexual, para o PGR, o pedido feito na ação passa pela reformulação de políticas públicas, envolvendo estudos sobre a viabilidade de ampliação da rede de estabelecimentos habilitados para realizar o procedimento, a capacitação de equipes profissionais e a elaboração de campanhas informativas, o que depende de análise do gestor federal.
Nota técnica – Em relação à nota técnica do Ministério da Saúde que trata da idade gestacional máxima para a realização do aborto em casos de estupro, o PGR admite que a análise de constitucionalidade do ato poderia ser feita por meio de ADPF. No entanto, o pedido precisaria abranger todo o complexo normativo que sustenta a norma, sob pena de eventual declaração de inconstitucionalidade da Suprema Corte não ter efetividade prática. Isso porque o ato questionado na ação é uma revisão de notas anteriores, emitidas desde 2005, com a mesma previsão.
“Fica claro que a invalidação do ato atual do Ministério da Saúde não terá o efeito pretendido pelas requerentes, porquanto subsistiriam no mundo jurídico as notas técnicas precedentes da pasta, com igual conteúdo normativo e passíveis de embasar as condutas alegadamente lesivas a preceitos fundamentais, não impugnadas nesta arguição”, pontua o MPF. Além disso, a jurisprudência do STF não admite ação de controle de constitucionalidade sem que todo o complexo normativo relacionado ao ato seja alvo do questionamento. O PGR conclui que a discussão sobre o tema merece análise futura pelo STF, desde que sanados os problemas técnicos da ação.