Comunicação sobre vacinas deve ser permanente, dizem especialistas


A recuperação das altas coberturas vacinais historicamente conquistadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) vai depender do acerto nas estratégias de comunicação, defendem especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Eles afirmam que, além de campanhas, é preciso que informações de fácil compreensão e com credibilidade estejam, de forma permanente, circulando em diversos formatos, para alcançar diferentes realidades.

O Ministério da Saúde divulgou ontem (31) o cronograma do Programa Nacional de Vacinação 2023. As ações vão começar em 27 de fevereiro, com a vacinação com doses de reforço bivalentes contra a covid-19 em pessoas com maior risco de desenvolver formas graves da doença, como idosos acima de 60 anos e pessoas com deficiência. O governo considera que as coberturas vacinais apresentaram índices alarmantes nos últimos anos e, segundo a pasta, melhorar a proteção contra doenças imunopreviníveis será prioridade.

“Diante do cenário de baixas coberturas vacinais, desabastecimento, risco de epidemias de poliomielite e sarampo, além da queda de confiança nas vacinas, o Ministério da Saúde realizou, ao longo do mês de janeiro, uma série de reuniões envolvendo outros ministérios”, disse o ministério.

PNI fará 50 anos

O programa de vacinação do Brasil é uma construção que vai chegar ao 50° aniversário em novembro deste ano. Iniciado em 1973, o Programa Nacional de Imunização (PNI) nasceu no ano em que as vacinas deram uma prova contundente de sua importância: o Brasil havia acabado de ser reconhecido por erradicar a varíola humana, doença que teve seus últimos casos no país em 1971, seis anos antes de a Somália ter registrado o último caso no mundo.

Desde então, o acréscimo de novas vacinas ao programa e o aumento das coberturas permitiram a erradicação da poliomielite (1989), da síndrome da rubéola congênita (2008) e do tétano materno e neonatal (2012) – doenças responsáveis por mortes e sequelas permanentes, como paralisias e surdez.

Idosos são vacinados em estação de metrô em Brasília, durante o dia D da Campanha Nacional de Vacinação contra Gripe de 2014 que começou na última terça-feira (22) vai até 9 de maio (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Idosos são vacinados em estação de metrô em Brasília, durante o dia D da Campanha Nacional de Vacinação contra Gripe de 2014 que começou na última terça-feira (22) vai até 9 de maio (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Campanha Nacional de Vacinação contra Gripe em 2014 – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Até 2015, o percentual de pessoas protegidas pelas vacinas atingia as metas de 90% do público-alvo para cada imunizante, mas a derrocada observada em seguida fez com que os patamares de imunização voltassem ao nível da década de 1980.

Tamanho retrocesso é apontado por pesquisadores como a causa do retorno do sarampo ao país, depois de a doença ter sido declarada erradicada em 2016 e ter voltado a circular em 2018. A coordenadora do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), Patrícia Boccolini, classifica como inaceitável o Brasil voltar a registrar mortes por sarampo, uma doença prevenível por vacinas gratuitas, eficazes e seguras.

“De 2018 até 2021, a gente teve 26 óbitos por sarampo em crianças menores de 5 anos no Brasil. Nas duas décadas anteriores a 2018, a gente teve apenas um óbito. Isso é algo inaceitável. Uma morte já seria inaceitável, e a gente teve 26”, lamenta a coordenadora do Observa Infância, que é um projeto da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Arthur de Sá Earp Neto (Unifase) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Como prioridade, Patrícia acredita que o novo governo precisa investir em comunicação massiva para restaurar a confiança nas vacinas, abalada pela disseminação de desinformação durante a pandemia de covid-19.

“É preciso um planejamento massivo de comunicação com a população, algo que foi praticamente inexistente nos últimos quatro ou cinco anos. E não é só ir às redes sociais e dizer que vacinas salvam vidas. Tem que ser dentro dos ônibus, nos postos de saúde, em todo lugar”.

A pesquisadora defende que se lance mão de diversas estratégias, como o uso de artistas, o resgate da imagem do personagem Zé Gotinha, parcerias com líderes comunitários e influenciadores e também o exemplo de autoridades e figuras públicas participando das campanhas de vacinação com seus familiares.

“Com todo esse simbolismo da ministra [da Saúde, Nísia Trindade] em relação às vacinas durante a pandemia, por ser ex-presidente da Fiocruz, isso já ajuda bastante. Mas podem participar as figuras do presidente e do vice-presidente. Por exemplo, o presidente Lula não tem filhos, mas ele tem netos. Isso em anos anteriores a gente não estava mais vendo”, sugere Patrícia Boccolini. Ela lembra ainda que o governo anterior fez o contrário, com o ex-presidente Jair Bolsonaro declarando publicamente que não se vacinaria nem vacinaria sua filha contra a covid-19.

O leque de ações de estratégias de comunicação necessário vai implicar em investimento maior nessa área, avalia a pesquisadora. Nesse sentido, ela afirma que caberá ao governo federal disponibilizar recursos não apenas financeiros, mas também humanos para orientar as ações localizadas que precisarão ser pensadas em cada município.

“A população precisa ser lembrada constantemente do risco de não vacinar, mas uma estratégia só para o Brasil inteiro não vai funcionar. Tem lugares em que se chega com influencers, e tem lugares em que vai ter que usar carro de som, por exemplo”.  

Líderes comunitários

A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), Mônica Levi, concorda que adotar estratégias variadas de comunicação será fundamental para alcançar as diferentes realidades do país.

“É preciso ver quais são os líderes também de cada município, os líderes religiosos, com quem é preciso conversar para serem participantes ativos da conscientização. A vacinação tem que ser um trabalho localizado, e esse é o desafio dentro desse Brasil imenso. Os governadores e prefeitos precisam traçar planos de ação localizados, e o Ministério da Saúde coordena tudo isso”.

A médica defende que a comunicação é que fará com que outras estratégias como dias nacionais de mobilização e a expansão do horário dos postos de saúde possam funcionar.

“Eu ouvi de enfermeiras e chefes de enfermagem que houve dias em que postos ficaram abertos no domingo, e só duas pessoas vieram se vacinar. Sem comunicação, se mantém uma estrutura toda aberta, e as pessoas não vão da mesma forma, porque nem sabiam que o posto estava aberto. Não adianta pôr uma faixa na frente do posto. A comunicação precisa melhorar muito”.

Vacinação de crianças indígenas de 5 a 11 anos contra covid-19 na Unidade Básica de Saúde - UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá.
Vacinação de crianças indígenas de 5 a 11 anos contra covid-19 na Unidade Básica de Saúde - UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá.

Vacinação de crianças indígenas na UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá – Rovena Rosa/Agência Brasil

O diagnóstico da situação de cada município poderá indicar soluções como a vacinação de adolescentes nas escolas, e a busca ativa de crianças em creches. Outro ponto considerado fundamental é a capacitação dos profissionais das mais de 35 mil salas de vacina do país, para que estejam seguros na hora de responder dúvidas da população e tomar decisões que não desperdicem oportunidades de vacinar.

“O profissional da saúde que está na sala de vacina não pode ser o mesmo do papanicolau, o que está fazendo controle dos diabéticos e visitando pacientes acamados para fazer outros procedimentos. Assim, ele acaba não criando um treinamento suficiente para atender adequadamente na sala de vacina. Essa demanda de muitas funções diferentes não funciona bem”.

Prioridades

A pesquisadora e consultora temporária da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) Carla Domingues coordenou o Programa Nacional de Imunizações entre 2011 e 2019. Ela avalia que o sucesso da vacinação em reduzir a mortalidade e erradicar doenças fez com que o setor perdesse prioridade na destinação dos recursos federais ao longo dos anos. E campanhas publicitárias capazes de mobilizar a população exigem uma regularidade de recursos, aponta.

“Essa tem que ser uma área prioritária no governo federal e precisa voltar a ter recursos financeiros para investir em comunicação e em convencer a população sobre a importância de elevar as coberturas vacinais”.

Carla Domingues vê como importante identificar os municípios que estão com pior situação e as vacinas que estão com a cobertura mais baixa para estabelecer prioridades. Entre os imunizantes do PNI, ela pede atenção especial às vacinas contra a poliomielite, a tríplice viral (sarampo, rubéola e caxumba), a pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria Haemophilus influenza tipo b), a meningocócica C (doença meningocócica) e as pneumocócicas (pneumonia e outras infecções).

“É preciso fazer um pacto com governador, prefeito, sociedade civil e fazer com que seja feita uma busca ativa de alta capilaridade, para encontrar essa criança que não foi vacinada e até mesmo ir na casa dela vacinar”.

O quadro de alta informalidade no mercado de trabalho e a crise econômica ajudou as coberturas vacinais a caírem, acredita a pesquisadora. Ela lembra que um responsável precisa comparecer ao posto de vacinação com a criança pelo menos nove vezes, para completar todos os esquemas vacinais previstos até os cinco anos de idade.

Em tempos de dificuldades financeiras e dependendo da jornada de trabalho do responsável, as famílias acabam priorizando as necessidades imediatas e adiando a vacinação.

“A gente precisa criar mecanismos para facilitar. É preciso repensar o trabalho na atenção primária para garantir a adesão da população. Muitas vezes, a população está desempregada ou não tem nem o dinheiro para pagar passagem, ou o posto só funciona em horário comercial. É preciso entender essa conjuntura”.

A comunicação permanente sobre vacinação também vai ajudar a combater as notícias falsas e antivacina, que se tornaram uma nova realidade no país depois da pandemia de covid-19 e se beneficiaram da falta de ações governamentais para enfrentá-las. “A desinformação ocupou exatamente esse vácuo, esse silêncio do governo em exercer seu protagonismo e se comunicar com a população. Se o governo parou de comunicar, esses grupos que não tinham espaço nem voz conseguiram um espaço gigantesco nas redes sociais, e hoje fazem com que muitos pais tenham medo da vacina”.

Fonte: agenciabrasil

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