SANTOS, SP – Além de definir os classificados para a grande decisão do surfe mundial, a etapa do Taiti desta temporada -que começou nesta terça-feira (16)- tem um gostinho especial para as mulheres. É a primeira vez em 16 anos que elas têm a oportunidade de competir na onda de Teahupo’o, uma das mais pesadas e desafiadoras do planeta.
O evento fez parte do circuito feminino entre 1999 e 2006, mas saiu do calendário a partir de 2007 por questões de segurança. A onda de Teahupo’o -que quer dizer ‘praia dos crânios quebrados’ na tradução do taitiano -possui uma bancada rasa e afiada e, quando desperta, pode castigar feio até mesmo os surfistas mais experientes por lá.
Em 2001, por exemplo, Briece Taerea, um surfista local, foi engolido por uma bomba de quase 5 metros e morreu após quebrar o pescoço e as costas. Um ano antes, o brasileiro Neco Padaratz, que fazia parte da elite mundial, quase morreu afogado depois de ficar preso em um coral.
A evolução do surfe feminino e dos protocolos de segurança fazem com que o retorno das meninas ao Taiti se torne viável. Mais que isso: faz parte de um dos pilares da atual administração da Liga Mundial de Surfe (WSL) para igualar os direitos dos homens e das mulheres.
A primeira medida foi equiparar as premiações para as categorias, o que já acontece desde 2019. Em seguida, foi a vez de igualar os calendários dos circuitos masculino e feminino, colocando (ou recolocando) as meninas nas duas das melhores e mais pesadas ondas do mundo: Pipeline, no Havaí, e Teahupo’o.
“O grupo do momento [que administrava o surfe mundial] resolveu tomar essa decisão . Mais recentemente, dentro da Liga, a gente começou esse movimento de igualar a premiação, e também faltava que as mulheres corressem as mesmas etapas que os homens”, afirma Ivan Martinho, CEO da WSL na América Latina, em entrevista ao UOL Esporte.
“O esporte feminino, tecnicamente, desenvolveu-se muito nesses 16 anos, então, sem dúvida nenhuma, vai ser um espetáculo”, complementa Martinho.
TUBARÃO NO HAVAÍ DEU START PARA A MUDANÇA
Antes de Teahupo’o, Pipeline já havia dado o start para que a política de equidade de gêneros virasse realidade. Afinal, qual o motivo de apenas os homens terem o direito de competir nas duas das melhores ondas do mundo? E, detalhe: a entrada de Pipe no circuito das mulheres foi ainda mais histórica, uma vez que jamais havia sido realizada uma etapa feminina oficial por lá.
Até então, contavam-se nos dedos as mulheres que já tinham competido na onda mais famosa do planeta. Para que isso acontecesse, elas precisavam ser convidadas em torneios masculinos.
Mas a história começou a mudar em dezembro de 2020. A trágica morte de um surfista amador após um ataque de tubarão na baía de Honolua, onde estava sendo realizado o evento feminino no Havaí, fez a WSL mudar o local e finalizar a competição feminina em Pipeline. Mesmo que de maneira forçada, acontecia a tão esperada estreia das meninas na onda mais emblemática do mundo.
A australiana Tyler Wright sagrou-se campeã da etapa ao vencer a pentacampeã mundial Carissa Moore e marcou o seu nome na história: a primeira mulher campeã em Pipeline.
Já nesta temporada, o negócio foi pra valer. A etapa realizada entre janeiro e fevereiro de 2022, vencida pela havaiana Moana Jones Wong, ficou marcada como a primeira da história do circuito feminino 100% realizada em Pipeline. Agora, é a vez de elas voltarem a Teahupo’o.
“Assim como foi em Pipe, estamos muito animados com o que elas vão apresentar, e tenho certeza de que estão seguras e animadas. Estão todas se divertindo e muito felizes de terem dado mais esse passo”, acredita Ivan.
PREVIA DE PARIS-2024
A onda de Teahupo’o já está confirmada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como palco do surfe nas Olimpíadas de 2024, na França. A volta do Taiti ao circuito feminino, portanto, acaba servindo como uma espécie de treino para as meninas chegaram afiadas aos Jogos.
“Acho que é um passo importante que estamos dando ao ter o feminino também no Taiti, já em preparação, inclusive, para as Olimpíadas. Não é por causa disso [que Teahupo’o voltou ao circuito feminino], mas é uma união de dois fatores espetaculares”, finaliza Martinho.