(FOLHAPRESS) – Dois momentos vividos na Alemanha nesta terça-feira (17), ligados a duas das maiores crises globais do momento, ainda que não tenham relação direta entre si, ajudam a ilustrar o momento delicado da coalizão do premiê Olaf Scholz.
Um foi a primeira troca de peso no gabinete, com a posse do social-democrata Boris Pistorius no Ministério da Defesa, ante a pressão internacional para Berlim agir de modo a influenciar o futuro da Guerra da Ucrânia. Outro, a detenção, por algumas horas, de Greta Thunberg em um protesto que simboliza as críticas pela condução que o governo faz da crise climática.
Esta última cobrança tem remetente e destinatário claros. Ativistas reclamam da posição do Partido Verde em relação a Lützerath, vilarejo que será demolido para a ampliação de uma mina de carvão. A questão, que se intensificou na semana passada, quando o esvaziamento da área teve início, atraiu mais olhares com a presença nos protestos da sueca fundadora do Fridays for Future -a polícia foi chamada para dispersar os manifestantes, e confrontos deixaram feridos no fim de semana.
Ao lado de Greta no local estavam membros da seção alemã do Last Generation, grupo responsável por alguns dos atos contra obras de arte em museus da Europa. “Os Verdes apunhalaram o movimento climático pelas costas em Lützerath. A confiança foi quebrada, e o pré-requisito mais importante para nossa convivência foi violado”, afirmou o ativista Raphael Thelen.
As críticas vêm também de integrantes da própria legenda, que assinaram uma carta aberta a Mona Neubauer, vice-premiê da região da Renânia do Norte-Westfália, onde fica o vilarejo, e Robert Habeck, ministro de Economia e Clima -ambos verdes. “O acordo negociado com a empresa RWE ameaça romper com os princípios do nosso partido, com o Acordo de Paris, o pacto da coalizão [de governo] e com a última confiança do movimento pela justiça climática”, diz o texto.
No ano passado, Habeck e Neubauer costuraram um trato com a RWE, operadora da extração de carvão, que autoriza a demolição da vila de Lützerath e preserva outras cinco. Ao mesmo tempo, Berlim se comprometeu em antecipar o fim da exploração do material em oito anos, para 2030. A medida, argumentam, faz parte da estratégia de buscar autonomia energética em relação à Rússia, uma urgência depois da guerra.
O ministro da Economia, também vice-primeiro-ministro de Scholz, chamou o acordo de “compromisso doloroso realmente difícil”, mas ponderou na sexta (13) que “tinha que ser assim para garantir a segurança energética”. Ativistas afirmam, porém, que o texto erra ao não prever limites para a quantidade de carvão extraído e veem como saída acelerar a transição para fontes de energia renovável.
Nesta quarta (18), em discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o premiê deu destaque ao tema. “Seja líder empresarial, ativista climático ou especialista em política de segurança, é claro para todos nós: o futuro pertence às energias renováveis. Por razões de custo, ambientais e de segurança”, disse Scholz.
Os acontecimentos em Lützerath se juntam a uma lista de contradições que os Verdes abraçaram desde que passaram a integrar o governo -após uma ausência de 16 anos- e mais ainda desde que a Guerra da Ucrânia começou. O partido, que tem origem em movimentos pela paz, precisou deixar de lado campanhas contra gastos militares, usinas nucleares e combustíveis fósseis como gás, petróleo e carvão.
Se assumiu em meio a uma onda de otimismo, Habeck depois teve que usar manobras retóricas e aderir ao pragmatismo para, ao mesmo tempo, dar uma resposta à Rússia e fazer a Alemanha, a maior economia da Europa, superar a crise energética agravada por décadas de dependência do gás de Moscou.
No último ano, os Verdes viram Scholz anunciar um aumento de € 100 bilhões em gastos militares, a construção de terminais para importação de gás natural liquefeito (GNL) de fontes como o Qatar e o adiamento do fechamento das últimas usinas nucleares.
Habeck, o rosto mais evidente do governo na disputa em Lützerath, é um dos líderes mais populares da Alemanha. Pesquisa divulgada no começo do mês pelo instituto Infratest Dimap -antes do conflito sobre o carvão, portanto- mostrou a também verde Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores, como a política mais bem avaliada do país, com 49% de aprovação, à frente de Habeck (44%) e do próprio Scholz (40%). Em junho, os números eram, respectivamente, de 60%, 60% e 43%.
Na coalizão, no entanto, as dificuldades das últimas semanas não se restringem aos Verdes. O parceiro menor da aliança que sustenta Scholz, o Partido Liberal Democrático (FDP), tem seu líder mais conhecido, o ministro das Finanças, Christian Lindner, sob suspeita de conflito de interesses por um discurso feito em favor de um banco privado de quem havia recebido um empréstimo.
Já o SPD, sigla do premiê, viu a titular da Defesa cair, soterrada por críticas. Pistorius, o substituto de Christine Lambrecht, assumiu com a gestão admitindo que a prioridade será o desafio de lidar com a pressão para que a Alemanha envie tanques a Kiev. Pressão de aliados internacionais e de dentro da coalizão, posto que Habeck já se declarou favorável à liberação para que Polônia e Finlândia possam enviar blindados alemães para o front.
“Os Verdes, o FDP, a oposição e especialistas alemães estão há tempos defendendo uma posição mais ambiciosa na defesa da Ucrânia”, diz Rafael Loss, especialista em políticas de segurança e defesa do Conselho Europeu de Relações Exteriores, em Berlim. “Parte do SPD hesita em repensar a relação da Alemanha com a Rússia, com a esperança de uma solução diplomática. Isso acaba por segurar decisões que poderiam ter ocorrido antes e deixa Scholz mais hesitante.”
Para o analista, tanto essa questão quanto as contradições enfrentadas pelos Verdes teriam potencial de agitar a coalizão com ou sem guerra. “O governo chegou com uma agenda transformadora, de preparar o país para um futuro neutro em carbono. É algo muito ambicioso”, afirma “Mas também é uma coalizão com muita diversidade. Disputas iriam surgir independentemente do mundo lá fora.”