Primeiro cessar-fogo de Putin na Ucrânia começa sob suspeitas


Primeiro cessar-fogo de Putin na Ucrânia começa sob suspeitas

SÃO PAULO, SP – O primeiro cessar-fogo das forças russas desde que Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado, começou às 12h de Moscou (11h em Kiev, 6h em Brasília) desta sexta (6) sob fortes críticas.

Tanto em Kiev quanto no Ocidente, o anúncio russo de guardar 36 horas para a celebração do Natal da Igreja Ortodoxa, celebrado pelo antigo calendário juliano no sábado (7), é uma peça de propaganda -ou, pior, um diversionismo militar.

A trégua havia sido proposta por um dos mais influentes aliados de Putin, o patriarca da igreja na Rússia, Cirilo. Kiev segue uma denominação ortodoxa própria, nascida de um cisma temperado pela disputa entre os dois países em 2019.

Passadas mais de duas horas da medida, contudo, os canhões pareciam ter silenciado de fato ao longo das frentes de batalha. Houve relato de trocas de tiros pontuais, em Donetsk (capital da província homônima parcialmente controlada por separatisas pró-Rússia desde 2014) e Bakhmut (foco de combates na mesma região).

Previsivelmente, o Ministério da Defesa russo acusou a Ucrânia de promover os ataques para violar a trégua a que Kiev não aderiu.

Até aqui, contudo, não houve ataques aéreos ou grandes barragens de artilharia, que têm marcado a etapa atual da campanha russa. As sirenes de alerta, contudo, começaram a tocar em toda a Ucrânia quando a trégua chegou a três horas.

Após perder terreno no nordeste e no sul do país, recuando forças ante avanços ucranianos, Moscou tem reforçado uma linha que, ao que tudo indica, é a fronteira que gostaria de ver absorvida em seu território.

Do ponto de vista legal russo, ilegal internacionalmente, isso já está colocado pela anexação formal após referendos farsescos em setembro passado de quatro regiões ucranianas. Na quinta (5), Putin disse ao colega turco Recep Tayyip Erdogan que Kiev precisa aceitar essa “nova realidade territorial” e negociar a paz.

O russo já havia anexado a península da Crimeia em 2014, em retaliação pela derrubada de um governo amigável em Kiev, e fomentado a guerra civil no Donbass (leste russófono composto por Donetsk e Lugansk). Em 2022, atacou sob o pretexto de evitar a entrada da Ucrânia nas estruturas ocidentais, como a Otan (aliança militar liderada por Washington).

Além desse entrincheiramento, o Kremlin tem atacado deliberadamente a estrutura energética do vizinho, o que até aqui não ocorreu na trégua.

O presidente Volodimir Zelenski e seus aliados, como o americano Joe Biden, viram hipocrisia e casuísmo na pausa russa, que não cessou seus ataques na virada do ano. O ucraniano afirma que Putin visa realocar equipamento e tropas, tentando segurar ações de Kiev em Donetsk.

Pode ser, ou pode simplesmente ser um golpe publicitário para pintar os ucranianos como agressores, o que não irá colar no Ocidente. Mas as próximas horas, até a meia-noite do sábado, dirão o que acontecerá.

Se há algum diversionismo, ele está sendo sinalizado ano norte, na ditadura amiga de Putin de Belarus. Nesta sexta, mais um trem carregado de blindados e com soldados chegou da Rússia a uma base próxima da fronteira com a Ucrânia.

O próprio ditador Aleksandr Lukachenko esteve presente ao local, de onde ouviu do comandante russo que as forças “estão prontas para suas tarefas”. Quais seriam? A rigor, desde o mês passado, os aliados montaram uma força conjunta para atuar junto à fronteira, embora Minsk negue que vá participar da guerra.

Até aqui, os belarussos forneceram seu território para movimentação de forças, instalação de mísseis e operação de aviões e helicópteros pelos russos. O avanço russo fracassado contra Kiev no começo da guerra, que parecia decidir o conflito em poucos dias, saiu de lá.

Agora, essa força conjunta deverá fazer exercícios conjuntos, exatamente o que aconteceu no começo de 2022, quando na verdade os russos estavam preparando seu ataque sob o parco disfarce de manobras com o vizinho e em torno de toda a fronteira ucraniana.

Zelenski e seus generais já disseram temer uma repetição do cenário, mas analistas militares são no geral céticos, considerando o grau de exaustão material russa -há relatos de falta de munição em alguns pontos da frente. Do ponto de vista humano, a mobilização de 320 mil reservistas ainda precisa tomar forma de um corpo de combate capaz, ainda que mal equipado.

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