(FOLHAPRESS) – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou uma série de reuniões com embaixadores estrangeiros em que defendeu, entre outros temas, a atuação do Brics na busca por uma solução para a Guerra da Ucrânia e a reinserção do Brasil no tabuleiro internacional.
O líder nas pesquisas de intenção de voto realizou dois encontros com chefes de missões estrangeiras na casa de seu advogado Cristiano Zanin, em São Paulo. Na primeira reunião, no fim de julho, foram convidados os embaixadores de Rússia, Índia e África do Sul.
Dias depois, Zanin recebeu para um evento semelhante os embaixadores da Alemanha, França, Suíça, Holanda e Polônia.
As agendas têm sido construídas por assessores de Lula para que o petista possa transmitir a países considerados chave algumas das diretrizes de um eventual novo governo na área internacional. A expectativa é que novas reuniões ocorram sempre em bloco, possivelmente com embaixadores latino-americanos e africanos.
Além de Zanin, participaram das agendas o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o professor de relações internacionais Hussein Kalout. O senador e ex-ministro Jaques Wagner (PT-BA), por sua vez, esteve na conversa com os europeus.
De acordo com relatos feitos à Folha, a reunião de Lula com os embaixadores Alexey Labetski (Rússia), Suresh Reddy (Índia) e Vusi Mavimbela (África do Sul) foi dominada pela Guerra da Ucrânia. A ideia inicial é que estivessem todos os membros do Brics (bloco que também é integrado pela China), mas não houve representante chinês porque atualmente a missão em Brasília está sem embaixador.
Após uma introdução em que Lula argumentou que Bolsonaro isolou o Brasil no cenário internacional, o petista direcionou a conversa para o conflito armado no Leste Europeu.
Lula quis saber de Labetski quais eram, na perspectiva russa, as razões da guerra; e quais países poderiam influenciar as partes beligerantes para a negociação de um possível cessar-fogo.
Pessoas com conhecimento da discussão disseram que o embaixador da Rússia reproduziu argumentos usados pelo presidente Vladimir Putin. Entre eles, o de que o Ocidente, ao patrocinar a expansão da Otan (aliança militar ocidental), ignorou por anos preocupações de segurança da Rússia.
Ainda de acordo com relatos, Lula perguntou aos chefes de missão diplomática presentes por que o Brics não estava engajado em tentar buscar alternativas para a paz ou ao menos para amenizar os efeitos da guerra.
Disse, ainda, que o bloco não tem como ficar alheio ao tema uma vez que um de seus membros, a Rússia, está diretamente envolvido no conflito.
Um dos participantes disse à Folha que Lula pareceu querer passar a mensagem que, uma vez no Planalto, pretende pressionar para que o Brics seja um fórum para debater formas de superar o conflito.
Mesmo que as chances de o bloco conseguir influenciar alguma solução sejam pequenas -disse esse interlocutor-, Lula sinalizou que pretende se apresentar à comunidade internacional como um líder que ao menos está empenhado em trabalhar pela paz.
Outra mensagem transmitida pelo petista nos dois encontros é que ele pretende dar grande importância à participação do Brasil em fóruns multilaterais.
O argumento de Lula é que Bolsonaro isolou o país internacionalmente e que apenas uma nova liderança será capaz de reposicionar o país nesse tabuleiro. No primeiro encontro, por exemplo, Lula chamou atenção para o fato de as missões em Brasília dos Estados Unidos e da China -as duas maiores potências atuais- estarem sem embaixador.
O governo Joe Biden chegou a nomear uma embaixadora para o Brasil. No entanto, uma articulação liderada por senadores republicanos travou a aprovação do nome escolhido, Elizabeth Bagley, no Congresso americano. A embaixada chinesa, por sua vez, está sem embaixador desde que Yang Wanming, que protagonizou atritos com aliados de Bolsonaro, concluiu sua missão.
Na reunião com os cinco países europeus, além da guerra na Ucrânia, foram discutidos assuntos como o acordo comercial da União Europeia com o Mercosul e o processo de adesão do Brasil à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Nos dois casos, existe a apreensão entre os europeus de que um eventual terceiro governo Lula tenha pouco interesse em dar prosseguimento à implementação do tratado comercial ou em entrar no chamado clube dos países ricos.
Governos europeus ficaram preocupados com declarações recentes de Lula. Numa viagem ao continente em novembro, o petista defendeu a reformulação do acordo comercial.
De acordo com pessoas com conhecimento do que foi debatido na reunião com embaixadores, Lula ressaltou que as prioridades de um eventual novo governo serão o combate à fome e à pobreza e a geração de empregos, além da preservação do meio ambiente. E que qualquer medida que lhe ajude a alcançar esses objetivos -inclusive o acordo UE-Mercosul- seria avaliada positivamente em sua administração.
Argumento semelhante foi usado quando os presentes trataram sobre o interesse do petista em seguir apoiando a entrada do Brasil na OCDE.