500 dias com Lula: Brasil busca retomar protagonismo na política externa, dizem especialistas


Em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, o professor de relações internacionais do Ibmec José Niemeyer destaca que é cada vez mais desafiador avaliar um governo apenas com base em sua política externa, dada a “interconexão crescente entre política interna e externa” nos tempos atuais.
Segundo ele, o mundo pós-Guerra Fria testemunha uma intrínseca relação entre interesses nacionais e ações no cenário global.
Niemeyer afirma que há uma tendência de líderes políticos recorrerem à política externa para mitigar problemas internos. Ainda assim, a atuação do petista difere da administração de Jair Bolsonaro (PL), que havia “adotado uma abordagem pouco institucional”, afetando a posição brasileira em fóruns internacionais, por exemplo.

“[O Brasil] começa a falar de uma possível intermediação da questão do Oriente Médio. Começa também, e até fez bem, intermediou bem a questão entre Guiana e Venezuela sobre a região de Essequibo. Nesse ponto, a política externa foi muito bem.”

Qual é a vantagem do BRICS para o Brasil?

O professor José Niemeyer é cético em relação à integração geopolítica plena do BRICS, devido às distâncias entre seus membros. No entanto, ao longo dos anos, ele reconheceu a importância do BRICS como um grupo de pressão, destacando o potencial desses países em influenciar dinâmicas globais, sobretudo em questões de segurança alimentar e energética.
A doutoranda em estudos estratégicos da defesa e segurança, Fernanda Carvalho Calado Coutinho, também destaca a complexidade de analisar o governo Lula neste momento, já que ainda está em curso. No entanto, assim como em outras gestões, há a busca por elementos da política externa brasileira, como “o multilateralismo e a projeção internacional”.
Ela afirma que “a ampliação do BRICS foi impulsionada pela China, visando criar um contraponto aos Estados Unidos”, e que o Brasil tentou expandir o bloco buscando trazer a Argentina para o grupo. No entanto, a recusa argentina acabou enfraquecendo a posição brasileira.
Para ela, Brasília se sentiu desconfortável com a expansão do bloco, mas acabou aceitando em troca do apoio chinês para a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Ela destacou que, apesar disso, “politicamente, o Brasil pode ser eclipsado dentro do grupo”.
Sobre a escolha do Brasil de presidir o G20 em vez do BRICS, Coutinho destacou que isso reforça a hesitação do país em relação ao bloco e sugere uma mudança na prioridade brasileira.
O professor entende ser importante ampliar o número de agentes no bloco. A Arábia Saudita e a Argentina, por exemplo, possuem fortes apelos na energia e no comércio. “[Nos próximos cinco anos], projeto um Brasil cada vez mais líder dentro dos BRICS no sistema internacional. O que acontecerá no sistema internacional acabará acontecendo também nos BRICS.”

“O Brasil é um país longe do centro de ruptura. Isso não é pouca coisa. Não temos nenhuma questão grave aqui no continente sul-americano, fora a desigualdade, que é uma questão grave entre os indivíduos que aqui habitam. Mas não temos nenhuma questão como tem hoje na Europa Central, no Sudeste Asiático, no mar do Sul da China, na África ou na fronteira dos Estados Unidos e do México”, diz o professor Niemeyer.

Qual é o papel do Brasil no BRICS?

O pesquisador da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) André Carvalho entende que o Brasil demonstra liderança em questões ambientais, como evidenciado pela escolha de Belém (PA) como sede da COP 30 e pelos esforços em acordos internacionais relacionados ao meio ambiente.

“Assim que Lula assume a presidência, ele tenta criar um grande grupo de países pacificadores para tentar mediar o conflito [entre Israel e o Hamas] de alguma forma, da mesma forma que tem se posicionado de uma maneira também controversa, porém coerente com aquilo que se propõe a política internacional brasileira, no conflito entre Israel e Palestina.”

Carvalho integra o Grupo de Pesquisa em Conflitos, Estratégia e Inteligência (Minerva). Segundo ele, quanto ao CSNU, o Brasil almeja uma cadeira efetiva, e a sinalização de apoio da China é vista como um passo positivo, embora “não garanta adesão definitiva devido a complexidades geopolíticas envolvendo outros países”.
Em relação à presidência do BRICS e do G20, segundo o pesquisador, o Brasil enfrenta decisões estratégicas. Enquanto busca “preservar seu protagonismo no BRICS, assume a presidência do G20 como uma oportunidade para fortalecer sua posição internacional e promover o diálogo entre diferentes nações”.
Para ele, durante os 500 dias de governo Lula, observou-se “um esforço concentrado em resgatar a diplomacia brasileira, com ênfase na defesa das liberdades individuais, do multilateralismo e do meio ambiente”.
Sob liderança do petista, o Itamaraty busca “reafirmar o Brasil como um ator importante no cenário global, retomando sua participação em organizações internacionais e fortalecendo laços com países da América Latina e do Sul Global”, na visão de André Carvalho.

Por que o Brasil se destaca na América do Sul?

Niemeyer evidencia o peso geopolítico do Brasil na América do Sul, devido a vínculos geográficos e dinâmicas territoriais.
Coutinho ponderou que, embora o país não tenha a relevância de uma grande potência, tem influência regional significativa — potencializada pela dimensão geográfica, variedade de recursos e força de trabalho. Tais características podem ser vistas na atuação da diplomacia brasileira na mediação de conflitos, como no caso da Venezuela.

“As nossas ações não interferem no mundo como um todo, ressalvada a questão ambiental, mas nossas ações interferem regionalmente […]. Ainda assim, a nossa Amazônia é ainda um espaço de vulnerabilidade brasileira. Então, em análise geral, o Brasil está mais para potência regional do que para grande potência.”

Niemeyer defende a continuidade das políticas de Estado no âmbito internacional, especialmente quanto à recepção de imigrantes e à preservação do meio ambiente. Para ele, há a importância de o Brasil ser visto como um país acolhedor e sustentável, capaz de fornecer recursos essenciais para a sobrevivência do planeta.
Ainda assim, sobre a agenda doméstica brasileira, o professor enfatiza a necessidade de diminuir as desigualdades sociais como prioridade máxima, o que inclui políticas de redistribuição de renda e melhoria das condições de vida.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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