Na quinta-feira (20) o Tribunal de São Petersburgo reconheceu o cerco a Leningrado de 1941-1944 por tropas ocupantes da Alemanha e seus aliados (unidades militares da Bélgica, Espanha, Itália, Letônia, Países Baixos, Noruega, Polônia, Finlândia, França e República Tcheca) como um crime de guerra, crime contra humanidade e genocídio contra grupos étnicos que integravam a população da URSS.
O cerco a Leningrado, atual São Petersburgo, teve lugar durante a Segunda Guerra Mundial e durou 872 dias, de 8 de setembro de 1941 até 27 de janeiro de 1944. Para se livrar da população civil da cidade, a Alemanha nazista e seus aliados tinham como objetivo destruir Leningrado por completo com bombardeios e eliminar os habitantes através da fome, tentando impedir que qualquer pessoa saísse da cidade. Apesar de o Exército Vermelho ter acabado por impedir a realização completa dos planos nazistas, as ações dos alemães e seus aliados levaram a mais de 1 milhão de mortes em Leningrado.
O historiador Egor Yakovlev, especialista em temas da ocupação nazista na antiga URSS, disse que o processo judicial em São Petersburgo é similar a outros que foram recentemente iniciados em todas as regiões russas que sofreram ocupação nazista (ou cerco, no caso de Leningrado). Na sua opinião, quando esses processos terminarem, será considerada a decisão de qualificar os planos e a política da Alemanha em relação à população soviética como genocídio, isto é, a eliminação total ou parcial de uma etnia ou nacionalidade.
“O cerco a Leningrado representa um caso muito notável dessa política, um dos mais horríveis”, disse Yakovlev. “Foi uma tragédia (…) que era uma parte, infelizmente realizada, de planos muito mais amplos”.
Diversos especialistas, incluindo Jorg Ganzenmuller da própria Alemanha, já provaram que o objetivo da liderança nazista “não era tomar a cidade de Leningrado mas sim destrui-la e matar os cidadãos, como representantes de uma raça inferior”.
Respondendo à pergunta por que o cerco e muitos outros crimes nazistas não foram reconhecidos como genocídio pelo tribunal de Nuremberga em 1946, Yakovlev notou que o termo “genocídio” foi introduzido na lei internacional só no dezembro de 1948 com a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Por isso, o tribunal de Nuremberga usou outros termos tais como “crimes contra a humanidade”.
Todavia, o texto da sentença do tribunal de Nuremberga reconhece o que chamamos hoje de genocídio, concluindo que a política alemã nos territórios da URSS e da Polônia visava não só aterrorizar a população mas também livrar-se dela através do exílio e da eliminação física, para depois colonizar os territórios com alemães.
A prática de reconhecer como genocídio acontecimentos de antes de 1948 não é nova. A ONU já reconheceu o genocídio dos povos hereró e namaqua na Namíbia, durante as hostilidades entre eles e a Alemanha, no início do século XX, a ONU reconheceu o Holocausto, muitos países reconhecem o genocídio dos armênios. Qualificando como genocídio crimes ocorridos antes de 1948, a Rússia segue a prática mundial.
O historiador acha que a decisão do tribunal não terá consequências econômicas, pois o assunto de reparações por parte da Alemanha já foi regulado nos acordos entre a URSS e Alemanha ocidental. No entanto, é muito provável que seja empregue pela Rússia como instrumento de pressão moral, de maneira semelhante à israelense, instrumento ao qual as nações vítimas de genocídio têm pleno direito.
Yakovlev relembra que a liderança nazista planejava eliminar judeus e ciganos por completo, enquanto as outras etnias da URSS nos primeiros anos após a vitória alemã deveriam ser eliminadas parcialmente, em 30 milhões de pessoas, com escravização da parte restante, segundo textos conhecidos das ordens dadas e evidências de testemunhas pertencentes à alta liderança do Terceiro Reich.
O historiador espera que esta sentença do tribunal de São Petersburgo aumente o interesse histórico por aquela época, na qual ainda resta muito a pesquisar. E também relembra às gerações futuras o sentido das comemorações de 9 de maio, Dia da Vitória.
“O que comemoramos? A memória de uma vitória comum, como batemos nos malditos alemães? Não, é o nosso dia de salvação, dia de libertação. Na nossa história nunca houve um perigo tão terrível de exterminação do nosso país e de exterminação física do nosso povo”, concluiu o historiador.