Trecho desmatado da Amazônia – Ueslei Marcelino – 14.ago.2020 Reuters
Apesar disso, fatia considerável das florestas derrubadas não se torna produtiva; expansão de pastos é o principal vetor de destruição.
A grande maioria do desmatamento em florestas tropicais no mundo está direta ou indiretamente relacionada à agropecuária, mas não necessariamente a uma atividade agrícola produtiva. Uma fatia expressiva dessa derrubada está ligada a pontos muito familiares à realidade brasileira de perdas amazônicas, como desmate para especulação e disputa fundiária.
É o que mostra uma nova pesquisa publicada na Science, uma das principais revistas científicas do mundo, nesta quinta-feira (8).
Segundo o estudo, de 90 a 99% do desmatamento em terras tropicais de 2011 a 2015 estava associado à agropecuária direta ou indiretamente. A expansão de pastos é responsável por aproximadamente metade da derrubada associada à atividade agrícola. O Brasil é parte dessa regra e o desmate por aqui é especialmente associado à criação de gado, de acordo com dados de outros estudos e levantamentos.
Anteriormente, considerava-se que cerca de 80% do desmate em áreas tropicais estava associado a agropecuária.
O estudo considerou dados e estudos de desmatamento da América Latina, regiões da África ao sul do deserto do Saara, e do sul e sudeste asiático.
A pesquisa também aponta que os cultivos de soja e de óleo de palma são responsáveis por cerca de 20% do desmate, enquanto culturas de cacau, café, arroz, milho, mandioca e para produção de borracha estão associadas a praticamente todo o resto da destruição.
A soja também costumava ser um grande problema no desmatamento brasileiro. A situação, porém, foi, em grande medida, controlada, após o país colocar em prática a moratória da soja, acordo que proíbe o comércio, a aquisição e o financiamento de grãos produzidos em áreas desmatadas ilegalmente na Amazônia após julho de 2008, e que freou o desmate associado ao grão na Amazônia.
Mesmo assim, há pesquisas que apontam que remessas desse cultivo plantadas em áreas de desmatamento recente ainda “contaminam” os grãos comercializados. Um outro estudo (nomeado “As maçãs pobres do agronegócio brasileiro“) publicado na mesma revista Science, em 2020, apontou que a destruição da Amazônia e do cerrado, que está concentrada em uma minoria de fazendas, pode estar contaminando cerca de 20% da soja e pelo menos 17% da carne exportadas para a UE (União Europeia).
A nova pesquisa publicada, nesta quinta, também aponta que há problemas para rastrear adequadamente os desmatamentos relacionados a diferentes culturas, especialmente por falta de dados ou por informações de pouca qualidade.
“Isso mostra que, apesar do papel crítico de políticas públicas e privadas promovendo cadeias internacionais de produção livres de desmatamento, a habilidade delas em reduzir, de fato, o desmate é fundamentalmente limitada”, dizem os autores do estudo.
E isso porque, de acordo com a pesquisa, de cerca de um terço até metade do desmate associado à agropecuária não resulta em áreas de fato produtivas. Além disso, a maior parte (cerca de 75%) da expansão de áreas agrícolas sobre florestas tem como vetor o mercado interno dos países, com destaque para produção de carne e cereais.
“Esses dados sugerem que as medidas em cadeias internacionais de produção podem ter um impacto maior através intervenções em áreas de risco de desmatamento focadas no fortalecimento do desenvolvimento rural sustentável e na governança territorial”, dizem os pesquisadores que assinam o trabalho.
Se as áreas devastadas não são usadas para agricultura, para que são, então? Uma das possibilidades é especulação, muitas vezes associada a terras disputadas. Esse tipo de ação acaba sendo incentivada pela expectativa de retorno financeira em áreas em que há projetos futuros de infraestrutura ou em momentos em que há dúvidas sobre as políticas públicas conservacionistas que estão por vir.
Além disso, terras sem destinação também contribuem com a especulação. Um exemplo nacional pode ser dado aqui: as florestas públicas não destinadas são áreas públicas, pertencentes à União ou a estados, mas sem destinação de uso, como áreas de proteção ou assentamentos; tais áreas costumam ter elevada concentração de desmatamento —o desmatador derruba a área para reivindicar a posse futura (algo que também é uma das explicações para as terras desmatadas e sem uso produtivo).
Por fim, queimadas fora de controle em áreas agrícolas que pulam para as bordas de florestas também podem explicar áreas desmatadas e sem produção nos anos posteriores.
Vale lembrar, por fim, que o desmatamento é uma ação emissora de gases-estufa (em linhas gerais, o carbono acumulado na matéria orgânica é liberado na atmosfera), por isso, limitar a derrubada de floresta é uma forma de combate à crise climática. O desmate na Amazônia é a principal fonte emissora do Brasil, que precisa sanar a derrubada para conseguir cumprir seus compromissos climáticos perante o mundo (Folha de S.Paulo, 9/9/22)